“(...)Elio Gaspari gosta muito de comparar modos e feitos da Suprema Corte com o nosso Supremo Tribunal. Erra feio, até porque cada jurisdição tem feições próprias.
Além da disparidade dos sistemas jurídicos - lá vige o ‘common law’, enquanto aqui se adota o direito romano -, beira o nonsense confrontar a aplicação da vetusta Carta americana de seis artigos com a da imberbe Constituição pátria de quase 300 dispositivos, muitos dos quais ainda a requerer complementação legislativa.
Se, por teimosia, despreparo ou autoindulgência, o jornalista persistir em traçar paralelos entre instituições ou culturas tão díspares, deveria - a exigir-se um mínimo de honestidade intelectual - citar também algumas das vicissitudes que acabaram por fazer a corte americana avalizar, durante décadas, regimes de intolerância, como a terrível escravidão (a exemplo do caso Dredd Scott) ou, para nem ir tão longe, casuísmos polêmicos, como os que permearam o caso Bush versus Gore.
Decisões controvertidas e outros percalços fazem parte do aprendizado ou da história de qualquer magistratura, cujo grau de transparência muito serve ao fortalecimento da democracia. Daí por que não cabe sonhar, como quer Gaspari, com ‘a etiqueta da corte americana’”.
Sem entrar na discussão sobre quem está certo ou errado, vale lembrar que a Constituição americana tem 7 e não 6 artigos. O último é o que trata da entrada em vigor da própria Constituição, algo que quase todas as nossas leis também fazem. Se fosse possível estabelecer uma ordem de importância entre os artigos da Constituição, seria o artigo mais importante. Sem ele, os outros artigos não teriam qualquer validade porque a Constituição não teria entrado em vigor.
O artigo VII diz “The Ratification of the Conventions of nine States, shall be sufficient for the Establishment of this Constitution between the States so ratifying the Same.” [algo como ‘A ratificação dessas convenções por nove estados será suficiente para a validade dessa Constituição nos estados que a ratificarem’]. A Constituição, que é de 17 de setembro de 1787, só entrou em vigor, seguindo o que foi ditado pelo artigo VII, em 21 de junho de 1788, quando o nono estado (New Hampshire) a ratificou.
São esses os artigos da Constituição americana:
- Artigo I – Poder Legislativo
- Artigo II – Poder Executivo
- Artigo III – Poder Judiciário
- Artigo IV – A relação entre os estados
- Artigo V – O processo de emenda da Constituição
- Artigo VI – Débitos anteriores à Constituição, Soberania da Constituição e Compromisso das autoridades públicas de lealdade à Constituição
- Artigo VII – Ratificação e entrada em vigor.
Os direitos e garantias fundamentais só apareceram mais de um ano depois, quando as emendas de 1 a 10 (também conhecidas como Bill of Rights, algo como ‘Carta de Direitos’), entraram em vigor em 15 de dezembro de 1789. Mas essas não são todas as emenda à Constituição. No total, são 27 e elas tratam dos assuntos mais variados. Elas estão listadas abaixo, e na frente de cada uma colocamos as datas em que elas foram aprovadas pelo Congressso (‘p.’) e a data na qual finalmente entraram em vigor ('r.'). Ao contrário do que ocorre no Brasil, o Congresso americano não tem o poder de fazer uma emenda entrar em vigor. Para que isso ocorra, ele primeiro precisa aprová-la por maioria de dois terços. Mas essas aprovação funciona apenas como uma proposta (por isso 'p.'). A entrada em vigor só acontece depois que os parlamentos estaduais ou uma assembléia constituinte a ratificarem com no mínimo três quartos dos votos. Apenas com a ratificação (‘r.’) é que ela finalmente entra em vigor.
- Emenda I – Liberdade de imprensa, de religião e de expressão
- Emenda II – Direito de portar armas
- Emenda III – Direito de aquartelamento em propriedade privada
- Emenda IV – Busca e apreensão
- Emenda V – Produção de provas, julgamento e condenação
- Emenda VI – Direito a um julgamento célere e acareação entre testemunhas
- Emenda VII – Julgamento por júri popular em causas civis
- Emenda VIII – Proibição de penas cruéis e não usuais
- Emenda IX – Manutenção de direitos individuais não mencionados pela Constituição
- Emenda X – Reserva de poder às legislaturas estaduais e às pessoas
- Emenda XI – Limitação do poder de julgar (p. 1794, r. 1795)
- Emenda XII – Eleições presidenciais (p. 1803, r. 1804)
- Emenda XIII – Abolição da escravidão (p. 1865, r. 1865)
- Emenda XIV – Direito à cidadania e políticos (p. 1866, r. 1868)
- Emenda XV – Direito de voto independente de raça ou cor (p. 1869, r. 1870)
- Emenda XVI – Poder de impor o imposto de renda (p. 1909, r. 1913)
- Emenda XVII – Votação de senadores (p. 1912, r. 1913)
- Emenda XVIII – Institui a ‘lei seca’ (p. 1917, r. 1919)
- Emenda XIX – Sufrágio feminino (p. 1919, r. 1920)
- Emenda XX – Mandato do presidencial e dos congressistas (p. 1932, r. 1933)
- Emenda XXI – Revogação da Emenda XVIII (fim da ‘lei seca’) (p. 1933, r. 1933)
- Emenda XXII – Proibição de mais de uma reeleição presidencial (p. 1947, r. 1951)
- Emenda XXIII – Votação na capital federal (p. 1960, r. 1961)
- Emenda XXIV – Desvinculação entre débitos tributários e direitos políticos (p. 1962, r. 1964)
- Emenda XXV – Sobre o impedimento e a sucessão presidencial (p. 1965, r. 1967)
- Emenda XXVI – Direito de votação para aquelas com mais de 18 anos (p. 1971, r. 1971)
- Emenda XXVII – Limitação do aumento de salários dos congressistas (p. 1789, r. 1992)